terça-feira, 4 de agosto de 2009

LEI DA SELVA

Para quem me conhece de perto, sabe que tenho certa resistência a televisão. Dizer que não gosto é forte demais, afinal, muito do que assisto de séries e desenhos vem do formato televisivo. De um modo geral, o que acho é que tem muita porcaria, muita repetição e muito absurdo - em quantidades mais que desiguais, se eu comparar com o que realmente me agrada.
Gostaria de escrever um pouco sobre os tão na moda reality-shows, mais precisamente sobre o No Limite, que ressurgiu na telinha do Plim-Plim na última quinta-feira, 30 de julho. Lembro que assisti o primeiro, não vi o segundo e até então ignorava a existência de um terceiro que chegou a existir. Na tentativa de lutar contra a concorrência cada vez mais acirrada do canal da Igreja Universal do Reino de Deus (Aleluia, Irmãos!), o Seu Globo trouxe de volta a competição, até então considerada extinta da grade da programação, para uma quarta edição, desta vez no estado do Ceará, com um número maior de competidores (agora são 20) e com maior veiculação (o formato semanal foi trocado por 2 dias - quintas e domingos - e pequenos flashes nos demais, durante o horário ainda chamado nobre).
De maravilhoso o programa não tem nada, mas é bem mais interessante do que o já manjado Big Brother (uma praga lucrativa que nunca vão tirar do ar) e o mais recente A Fazenda, o concorrente pelo qual No Limite foi tirado do limbo na guerra pela audiência. Embora o prêmio seja bem menor (apenas 500 mil reais - metade do que é oferecido nos demais - e sem a distribuição de carros e viagens às pampas para participantes que só coçam o traseiro e fazem futrico o dia inteiro), no game de sobrevivência o pessoal sofre de verdade, dizem, seja com a fome, o frio, a chuva, o sol de rachar ou com os conflitos entre os grupos e as habituais votações para eliminar os participantes a cada programa - a regra dita que, se perder o jogo, uma cabeça do grupo vai rolar...
Em termos de divertimento, o programa é bom: além das belas paisagens e da adrenalina das provas, é uma oportunidade para se avaliar do que o ser humano é capaz em situações extremas - e é cada situação de gente ficando doente, passando mal e até brigando por divisão de resto de macarrão sem molho! Obviamente não é a mesma tristeza que se vê nos programas de apelação que expõem a miséria alheia para gerar ibope (por que brasileiro gosta tanto disso?), tampouco o horror daquelas imagens tenebrosas que as pessoas insistentemente continuam a mandar em e-mails e apresentações de Power Point com títulos como "Para Refletir" e "Uma Lição de Vida", mas confesso que dá uma pena medonha das pessoas se matando por comida em programas como este, só para prover pão e circo à audiência do canal do falecido Dr. Roberto Marinho. Moralismos à parte, sabe-se que ninguém ali sai perdendo, pois, por mais sofrido que seja, todo mundo está lá por vontade própria, um deles vai sair meio mihão mais rico (ou rica) e, para as participantes do sexo feminino mais agraciadas pela natureza, as revistas pornográficas sempre têm na manga um contratinho esperando para um "ensaio sensual". E ainda em tempo, do jeito que as coisas andam, não me surpreende se algum deles não virar protagonista de novela.
O que me assustou mesmo foi a derrocada de nível no programa exibido no último domingo, onde a prova por imunidade e comida (leia-se por comida: dois sacos de macarrão, uns tomates e um minúsculo bolo de fubá) consistia em um jogo em que trios disputavam uma partida de "melhor de 3" com uma bola dentro de um charco que precisava ser arremessada em um cesto. O quebra-pau foi tão grande e o desespero daquelas pessoas se desmontando dentro d'água era tamanho que, em uma das rodadas, uma participante teve uma costela ferida (por sorte não quebrou) e o ponto foi, de improviso, trocado por arremessos livres. Para sádicos como eu/nós chega a ser divertido ver esse mata-mata por sobrevivência, mas a produção do programa poderia ter tido uma idéia menos infeliz para elaborar a prova: estimular a competição é uma coisa; violência gratuita é outra bem diferente.
Eu tenho uma teoria de que basta por dinheiro ou comida na frente das pessoas para se instituir a selvageria - e nem precisa fome ou miséria para tal - a gula e a ganância se encarregam disso. Para comprovar a teoria, não é necessário nenhum reality show: basta observar fila de buffet de casamento, o Sílvio Santos atirando aviõezinhos de dinheiro para o auditório ou o bolo quilométrico comemorativo do aniversário da cidade de São Paulo, que a cada ano é destroçado para dentro de imensos potes plásticos em menos segundos ainda que no ano anterior. Estes são pequenos e leves exemplos do que me refiro, em uma selva onde vale tudo: puxão de cabelo, mentira e traição, dedo no olho, chute nas partes baixas e até tiro na cara. Será que não somos nós que já estamos vivendo no limite?

»MAURICIOPÉDIA: "Lei Da Selva" é o título de uma canção de autoria e gravação do cantor Lulu Santos«