quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CINEMA: MEDIANERAS - BUENOS AIRES NA ERA DO AMOR DIGITAL

Solidão e desconforto nas grandes cidades são efeitos. Construções, tecnologia e Internet são causas. Assim se forma o cenário para Medianeras - Buenos Aires Na Era Do Amor Digital (Medianeras, Argentina, 2011), um romance/drama ambientado na capital portenha, fato que se torna conhecido com o subtítulo bobo, comercial e desnecessário que também aparece na tradução para o inglês.
Javier Drolas é Martín, um webdesigner que sofre de síndrome do pânico, por isso vive enclausurado em seu apartamento minúsculo, sua comunicação com o mundo real é praticamente pela Internet e suas únicas visitas são praticamente os motoqueiros de telentrega. Pilar López de Ayala é Mariana, uma arquiteta frustrada que ganha a vida como vitrinista e vem de um casamento fracassado que lhe custou 4 anos e a deixou sem chão. Os dois são vizinhos e moradores da famosa Avenida Santa Fé, possuem destinos que apontam em uma mesma direção, mas ainda assim nunca se cruzaram.
Através de narrações em off dos próprios personagens e com passagens de tempo marcadas por estações do ano, a história dos dois jovens é contada em paralelo, com bom humor, ironia e uma pitada de reflexão que remete às nossas próprias realidades quando o assunto é o afastamento cada vez maior que temos do convívio das pessoas por conta do ritmo frenético e das mudanças de comportamento do mundo moderno. A frase de Martín "A Internet me aproximou do mundo, mas me afastou da vida" representa bem algumas das mensagens deixadas pelo filme, que foi escrito e dirigido por Gustavo Taretto, estreante em longas metragens.
Há muitas referências, sugestões e mensagens subliminares que contribuem para o enriquecimento da narrativa - logo no início da fita, o suícidio de um cachorro e a imagem de um menino andando para a frente e para trás de triciclo em uma sacada minúscula deixam pistas de onde a história quer chegar. A referência ao livro Onde Está Wally? é outra grande e importante sacada. O diretor soube aproveitar bem a capital argentina para mostrar tanto o belo quanto o feio que ela pode oferecer, sem exaltações ou critícas específicas - Buenos Aires representa todas as grandes metrópoles do planeta, que sofrem dos mesmos problemas em diferentes proporções, sem ser diretamente o alvo das críticas proferidas.
Medianeras é um bom filme, com o mérito de ter uma história interessante para contar, de saber contá-la com o bom uso de símbolos e representações que são facilmente captadas pelo espectador e de ainda usar essa história mais como meio do que como fim para expor um ponto de vista, deixando ainda uma pulguinha de dúvida atrás da orelha sobre para onde estamos levando nosso planeta e como está nosso estilo de vida. Ah, o que são as medianeras do título? É melhor assistir para obter a explicação, pois contar aqui seria estragar parte do desfecho do filme, embora ele seja bem previsível.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CINEMA: O FILME DOS ESPÍRITOS

O Filme Dos Espíritos (Brasil, 2011), dirigido pela dupla André Marouço e Michel Dubret, é mais um título que pega carona na onda espírita, iniciada em 2008 com a produção Bezerra De Menezes: O Diário De Um Espírito, cuja temática visa atrair adeptos da doutrina, simpatizantes, curiosos e os próprios fãs de cinema em geral. Como o próprio título sugere, o filme tem como inspiração O Livro Dos Espíritos, publicado por Allan Kardec em 1857, inspiração que, além de se valer de alguns trechos do escrito, emprega "lições" ensinadas pela doutrina e utiliza o próprio objeto livro como personagem para a história que é contada.
No centro da narrativa encontra-se Bruno Alves (Reinaldo Rodrigues), um homem atormentado por uma vida de dificuldades e alcoolismo, à beira do suicídio que, em um dado momento entra em contato com o livro de Kardec e passa a ter descobertas que mudarão o rumo de sua vida. Há algumas outras histórias paralelas que são contadas, na intenção de depois juntar tudo através do cruzamento dos personagens em alguns cenários e situações, mas de modo geral têm muito pouca importância se comparadas à atenção dada para a história do protagonista - é o caso da história do Dr. Levi e sua esposa Gabi (Nelson Xavier e Ana Rosa, respectivamente - dois atores que nos últimos tempos se tornaram figurinhas fáceis em filmes desta temática), que poderia ser melhor explorada, mas finda mais por servir de acessório do que de segmento de trama.
A narrativa não se assume doutrinária, porém soa como tal em diversos momentos: o simples fato do personagem Bruno andar com o livro por toda a parte já dá pistas da pretensão, assim como citações soltas de trechos da obra utilizadas para ilustrar certas cenas. As imagens em flashback apresentadas tornam as revelações da trama óbvias e não surpreendem nem mesmo o espectador mais distraído. Como função social, cumpre papel ao divulgar o importante trabalho das Casas André Luiz, clínicas de assistência a portadores de doenças mentais, local onde trabalha o Dr. Levi e que passa a ser visitado frequentemente por Bruno.
O filme tem suas pontas soltas e leva o fim da história um pouco além do necessário: a velha mania de explicar tudo tim-tim por tim-tim. A produção tem seus defeitos, mas consegue um conceito regular, com alguns méritos. A temática é pesada de um modo geral, tratando quase que por unanimidade com a morte, a doença, a perda e a solidão, mas a direção sabe em alguns momentos brilhantes ser sutil, abrandando o peso de forma sugerida, sem ser explícita demais. Um atrativo no mínimo curioso para uma conferida é a participação de Luciana Gimenez (hein? sim, ela mesma!) no papel de uma velha, quase irreconhecível - se ela fez bonito ou não, tirem suas próprias conclusões.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

CINEMA: MEU PAÍS

Dizem que o lar de um homem é onde está o seu coração - posso até ter entendido tudo errado, mas esta frase foi a mensagem que ficou para mim após assistir Meu País (Brasil, 2011), e também a justificativa para o título, embora este possa ter relação com o retorno à pátria do personagem principal Marcos, vivido por Rodrigo Santoro.
Engana-se quem pensa que trata-se de um filme patriótico ou de exaltação ao Brasil: fora algumas poucas passagens com cortes rápidos de São Paulo, não há espaço para Carnaval, futebol ou bunda de fora, nem mesmo para críticas à nação numa vibe Odete Roitman - o país de Marcos, ao qual ele de fato retorna, é sua família! Seu regresso da Itália ao lado da mulher Giulia (a bela atriz italiana Anita Caprioli) é motivado pela morte de seu pai Armando (em uma participação breve, mas importante de Paulo José), onde reencontra o irmão Tiago (um contido Cauã Reymond) - playboy irresponsável que está mergulhado em dívidas de jogo - e tem a descoberta de uma meia-irmã (vivida por Débora Falabella) internada em uma clínica para doentes mentais.
O fio condutor da trama é esta relação entre irmãos que passa a se estabelecer. Marcos, o mais velho, bem-sucedido e responsável vê-se frente a um irmão que não quer amadurecer e a uma irmã que, devido aos problemas mentais, jamais o irá. É preciso ainda lidar com toda uma vida construída que está sendo deixada para trás e sustentar o relacionamento com sua esposa.
O diretor Andre Ristum, estreante na direção de longas, tem em mãos uma produção que pode ser considerada, no mínimo, de bom resultado. Com eficiência, o filme mergulha o espectador em uma tristeza silenciosa - não a do tipo que chega com uma notícia e acerta um soco seco no estômago, mas sim aquela que vai consumindo aos poucos, em cada detalhe, como uma doença degenerativa. O tom nostálgico da narrativa, amarrando passado e presente através de pequenos objetos e retratos e a palheta desmaiada e escurecida da fotografia ampliam a experiência de melancolia, que jamais é alcançada com a facilidade do dramalhão clichê ou qualquer outra obviedade.

CINEMA: O HOMEM AO LADO

Segundo a Wikipédia, Le Corbusier foi um arquiteto, urbanista e pintor francês de origem suíça, considerado um dos maiores do século XX em sua área. Leonardo (Rafael Spregelburd) vive com sua família na cidade de La Plata, Argentina, na única casa desenhada em toda a América pelo citado Le Corbusier, considerada uma obra-prima da arquitetura moderna. Em um dia qualquer, o homem dá-se conta que um vizinho, Victor (Daniel Aráoz), resolve abrir uma nova janela, invadindo o campo de visão da família de Leonardo e, claro, denegrindo a concepção da casa onde vive.
A construção desta nova janela é apenas a desculpa para o desenrolar do drama O Homem Ao Lado (El Hombre De Al Lado, Argentina, 2009), que busca uma reflexão do que pode acontecer quando dois mundos totalmente estranhos e diferentes passam a se ter conhecimento ou vêm a colidir. Com esta descoberta, vem a revelação da essência do ser humano em situações que, mesmo banais, podem acabar se tornando limítrofes. De um lado Leonardo é um designer de móveis bem-sucesido, porém covarde, egoísta e cujo casamento e também o relacionamento com a filha adolescente beiram o fracasso. De outro, Victor é um homem intimidante, truculento e ao mesmo tempo doce, que deixa dúvidas em muitos momentos sobre quais suas reais intenções.
Os altos e baixos das relações de empatia e rejeição que se formam entre estes personagens são narrados, assim como a janela de Victor, em forma de construção e desconstrução. Laços que se atam e se desatam, atitudes inusitadas e demonstrações do que cada um é capaz na busca por seus objetivos compõem a história deste filme dirigido pela dupla Mariano Cohn e Gastón Duprat. O resultado é um filme mediano, belo na composição de seus protagonistas, mas de dinâmica arrastada e em alguns momentos um pouco entediante, com um desdobre dificultoso e demorado a chegar.

CINEMA: UM CONTO CHINÊS

Falar mal de argentino é quase tão típico de brasileiro quanto fazer piadas de português. Seja lá qual for o motivo, excetuando-se a rivalidade no futebol - a qual pouco me lixo - vejo que temos muito mais motivos para prestigiar os "hermanos" do que para avacalhá-los. Um deles é o seu cinema, cada vez mais interessante. Não que não tenhamos aqui no Brasil produções de qualidade excepcional e grandes sucessos de bilheteria, mas nos últimos anos muito tem-se falado (e geralmente bem) de produções advindas do país aqui do lado. Na onda de bons filmes portenhos vem Um Conto Chinês (Un Cuento Chino, 2011), que já está há algumas semanas em cartaz e tem sido sucesso de público e de crítica na base do boca-a-boca.
Fato que parte deste sucesso se deve à presença no elenco de Ricardo Darín (de O Segredo Dos Seus Olhos e O Filho Da Noiva, entre outros), possivelmente o ator mais importante do país na atualidade. Darín vive o protagonista Roberto, um solitário, solteirão e muito mal-humorado dono de ferragem de bairro que um dia socorre o recém-chegado chinês Jun (Ignacio Huang) de um ataque de ladrões. Sem nenhuma ideia de o que fazer, Roberto abriga o imigrante em sua casa, estabelecendo ali o fio condutor deste belo conto.
O mau humor do protagonista, as atrapalhadas do chinês e as situações difíceis de comunicação entre os dois são responsáveis por algumas das risadas da plateia, mas o filme vai muito além da comédia: as relações humanas, o surgimento da amizade, a dificuldade de adaptação ao novo e a instabilidade emocional do indivíduo são temas sutilmente pincelados que injetam vida à trama e fazem dela uma excelente lição de convívio, sem vocação alguma para o dramalhão. Tecnicamente o filme é simples, mas muito competente - nota-se que o esmero da produção está focado no desenrolar da história e de seus personagens pitorescos, que incluem ainda a prestativa pretendente de Roberto, Mari (Muriel Santa Ana). Dirigido por Sebastián Borensztein, egresso da TV, este conto chinês diverte, emociona e envolve, trata de forma carinhosa do choque cultural entre ocidente e oriente sem jamais cair no mau gosto ou no campo dos estereótipos para arrancar risadas fáceis do público, brinca com o surreal sem exagerar na dose (incluindo uma vaca que cai do céu), embora traga um pouco de instabilidade à narrativa, mas sem comprometer o resultado e é disparado uma das melhores opções em cartaz do momento.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CINEMA: CONTRA O TEMPO

Quando me perguntaram do que se tratava o filme Contra O Tempo (Source Code, 2011, que entra no Brasil com grande atraso em relação ao resto do planeta - nos EUA e na Europa já foi lançado em Blu-Ray), disse que a trama consistia em um trem que explode e um homem tem a chance de voltar quantas vezes for preciso para aquele momento, até descobrir o autor do atentado, tendo sempre 8 minutos para tal tarefa. Disse ainda que mais do que isso não revelaria, sob pena de estragar o mote deste filme, no mínimo interessante, dirigido por Duncan Jones, diretor novato, cujo filme mais conhecido que dirigiu até então tinha sido Lunar, de 2009.
No início o filme parece meio confuso, mas aos poucos tudo vai se esclarecendo sem grandes tratados teóricos ou necessidades de explanação. É um samba do crioulo doido que mistura ação, suspense, ficção e uma pitadinha de drama, mas que funciona bem quando bem definidas as doses. Jake Gyllenhaal encarna o personagem principal, Colter Stevens, que não lhe exige grande interpretação, mas lhe serve perfeitamente. Michelle Monaghan é Christina e Vera Farmiga é Goodwin, personagens secundários, mas de grande importância às necessidades da história.
Com um tiro curto de 93 minutos, Contra O Tempo cumpre bem o seu papel de entertenimento e até deixa brechas para questões e ideias sobre o desenrolar da trama. A ideia reciclada foi bem aproveitada e tornou-se um título bem interessante, muito acima da média dos lançamentos americanos que tem se visto ultimamente nos cinemas.

CINEMA: SEM SAÍDA

Atualmente Hollywood parece ter poucas alternativas para produzir seus filmes: ou se faz um reboot/continuação/remake de uma fórmula garantida, ou se cria uma megaprodução em cima de uma bomba com potencial para se tornar blockbuster ou se arrisca em algo criativo que tanto pode ser um sucesso como tornar-se um fracasso comercial (opção que tem sido a bem menos utilizada dentre as três). Sem Saída (Abduction, 2011), do diretor John Singleton, é um híbrido das duas primeiras alternativas.
Em cima de uma trama mais que manjada e sem surpresas, a saída foi escalar um elenco conhecido de coadjuvantes (que aí inclui Alfred Molina, Sigourney Weaver e Maria Bello) e encabeçá-lo com um ator sensação do momento - no caso, o lobisomem da saga Crepúsculo Taylor Lautner - mesmo que o maior talento do mesmo seja sua musculatura, que insistentemente os filmes dos quais ele participa fazem questão de mostrar sem pudores. Trata-se de uma ideia pouco original, mas um tiro quase certeiro: se ninguém gostar do filme, pelo menos o lucro dos ingressos das menininhas adolescentes está garantido!
Não é necessário repetir mais que o filme é bem meia-boca. Por incrível que pareça, seu maior defeito não é a falta de inovação ou o roteiro óbvio, e sim o ritmo da trama: com um início até interessante, mesmo que todo revelado nos trailers, há um certo fator interessante até o momento em que Nathan, o personagem de Lautner, descobre através de um site de crianças desaparecidas que seus pais não são quem dizem ser. Segue-se algumas cenas de ação e então a trama quase morre com Nathan e sua namoradinha sem sal Karen (Lily Collins) fugindo de bandidos soviéticos (sempre eles) e de agentes da CIA mal intencionados liderados por um Alfred Molina totalmente sem inspiração.
Daí para a frente é só ladeira abaixo, salvas algumas cenas de ação bem elaboradas e protagonizadas pelo garoto Lautner (verdade que a juventude permite ao astro certas acrobacias dignas de inveja aos Tom Cruises e Denzel Washingtons dos dias de hoje). Com um final irritantemente previsível, o grande mistério é resolvido de maneira fácil e sem graça. Uma ameaça de gancho para uma possível e desnecessária continuação é deixada e nada além deste par de comentários sobra como saldo.

domingo, 9 de outubro de 2011

CINEMA: CAPITÃES DA AREIA

Dirigido por Cecília Amado, neta de Jorge Amado, não por acaso o autor da obra, o filme Capitães Da Areia antecipa o início das comemorações do centenário de nascimento do escritor baiano morto em 2001, a ser celebrado oficialmente durante o ano que vem.
A história, que trata da vida de uma gangue de pivetes atuantes na tumultuada capital Salvador na metade do século passado, como livro funciona muito bem, sendo a obra mais vendida do autor até hoje. Ao ser passada para a tela, perde a força, devido a pulos longos na narrativa, que terminam por confundir o espectador - em alguns momentos deixando-o sem saber onde está situada a trama. Mas nem só de defeitos vive a fita de estreia de Cecília Amado: com um elenco formado por anônimos, muitos deles estreantes, o acerto na caracterização dos personagens e na ambientação, figurino e cenografia são dignos de elogios, sem contar a fotografia impecável!
Liderada por Pedro Bala (Jean Luis Amorim), a gangue dos Capitães da Areia é um grupo de meninos órfãos, rejeitados pelas famílias e fugitivos de abusos domésticos, que conta também com os companheiros Gato (Paulo Abade), Professor (Robério Lima), Sem Pernas (Israel Gouvea) e, posteriormente, a menina Dóra (Ana Graciela). A dura luta pela sobrevivência, a incursão no mundo do crime através de pequenos furtos e contravenções, a perda da inocência e a descoberta do sexo e do amor usam como pano de fundo as riquezas culturais e naturais da Bahia, como o Candomblé, a capoeira, a fé, as festas, o mar e as belas paisagens agrestes para narrar uma pequena parte da triste saga deste grupo de crianças - ou nem tanto. Aliadas à bela trilha sonora produzida por Carlinhos Brown, certas cenas isoladas, aliadas às transcrições originais do livro, tornam-se verdadeiras obras de arte.
Pode-se dizer que Capitães Da Areia é mais competente técnica e esteticamente do que dramaturgicamente - o velho problema do roteiro, aqui assinado pela própria diretora em parceria com Hilton Lacerda. Pela duração tolerável de 96 minutos, pela beleza das imagens (mesmo que muitas delas estejam ali mais como alegoria do que como incremento significativo na trama), pela ótima atuação dos atores - sobretudo os mirins - e por algumas boas passagens, principalmente as dramáticas, o filme não é de todo mau e merece uma espiada, principalmente por quem prestigia o cinema feito no Brasil.