sexta-feira, 14 de maio de 2010

CINEMA: O MELHOR E O PIOR DE ALICE

O trailer, veiculado nas salas de cinema convencionais e 3D há quase um ano, anunciava: vem aí uma nova versão de Alice No País Das Maravilhas (Alice In Wonderland, 2010), mesclada com o conto Alice Através Do Espelho - e a promessa é de uma versão magnífica e nunca antes imaginada sobre as obras literárias de Lewis Carroll (1832-1898). O comandante? Tim Burton, um diretor conhecido por sua criatividade aguçada e pelo flerte com o sombrio em seus trabalhos - a princípio, o candidato perfeito para conduzir o projeto - a princípio...
A expectativa gerada em torno do filme foi grande, e tornou-se uma espera infindável graças ao adiamento de sua estreia no Brasil em quase 2 meses em relação aos demais países do globo (dizem por aí que o adiamento se deu em detrimento da permanência de Avatar nas salas 3D e de uma expecativa não concretizada da fita de James Cameron arrebanhar os principais prêmios do Oscar 2010). A tão esperada chegada aos nossos cinemas, assim como a brincadeira do telefone sem fio, nos leva a refletir sobre até onde se pode reinventar ou repassar uma história adiante.
A expectativa sobre a visão de Alice nos olhos de Burton tornou-se uma ilusão ainda maior do que a vivida pela personagem nos livros escritos por Carroll no distante século XIX. Boa parte por sua associação aos estúdios Disney na produção do trabalho, Burton, aliado ao roteiro estapafúrdio de Linda Woolverton (prata da casa, responsável, dentre diversos títulos, pelos roteiros de Mulan e do primeiro Rei Leão) tornou um clássico da literatura e, por que não dizer, da filosofia popular, em uma colcha de retalhos sem sentido, onde os personagens estão irreconhecíveis e muito do tempo é desperdiçado em uma aventura medieval enfadonha, nos moldes de O Senhor Dos Anéis e As Crônicas De Nárnia.
O filme é visualmente impecável, nos mínimos detalhes do figurino e da computação gráfica violentamente empregada. O uso do 3D, embora tímido em algumas passagens, quando empregado, chega a ser vertiginoso: a cena da queda de Alice no buraco, os objetos atirados na telona pela Lebre de Março (voz de Paul Whitehouse) e a cena de vôo com Tweedledee e Tweedledum (voz e expressões faciais de Matt Lucas) são incríveis e merecem respeito pela elaboração. O recurso foi bem empregado em algumas cenas também para dar ideia de planos e profundidade.
Os atores estão muito bem na história: embora poucos personagens sejam de carne e osso, a atuação dos dubladores é excelente (o filme conta com nomes do peso de Alan Rickman e Stephen Fry, respectivamente a Lagarta Azul e o risonho Gato de Cheshire). Dentre os personagens reais, a Alice adulta e depressiva escolhida por Burton (a atriz Mia Wasikowska) foi uma escolha felicíssima - Mia é carismática e apática na medida certa para o papel. Embora seja um desparate do diretor querer sobrepor a protagonista com um personagem secundário em prol da escalação de seu ator predileto, a participação de Johnny Depp como o Chapeleiro Louco está mais uma vez impecável - o maior problema do personagem é sua própria composição, sugerida pelo roteiro. Helena Bonham Carter mostra domínio de atuação ao viver a malvada, hilária e cabeçuda Rainha Vermelha (na verdade, um mix da Rainha de Copas do primeiro livro com a própria Rainha Vermelha do segundo), enquanto Anne Hathaway vive uma Rainha Branca esquisitona e sem sal.
A sensação de decepção com boa parte do filme é inevitável: o filme perdeu toda a ironia e a arrogância desde o ponto em que os habitantes do País das Maravilhas, antes psicóticos e malvados, tornaram-se um bando de bichinhos bonzinhos e fofos. O nascimento de uma Alice guerreira e de duas facções de gladiadores sob o comando das duas rainhas coloridas foi a pior escolha possível - na intenção de tornar o filme ainda mais comercial, a investida da Disney arruinou qualquer suspiro de dignidade que a adaptação ainda mantinha.
No fim das contas, esta releitura de Alice No País Das Maravilhas reduz-se a um filme lindo de se ver, mas difícil de engolir.

Um comentário:

Neilon de Sousa disse...

Também tive essa sensação qdo saí do cinema, não foi um filme ruim de se ver. Haviam muitas expectativas em ralação a ele, foi um pouco decepcionate sim, mas visualmente perfeito.