sexta-feira, 18 de novembro de 2011

CINEMA: AMANHECER - PARTE I

A exemplo do capítulo final da franquia Harry Potter, que produtores e fãs fervorosos juram de pés juntos que não havia como retratar em um único filme, a entitulada Saga Crepúsculo achou por bem (sobretudo de suas finanças) dividir o último livro também em duas partes. Amanhecer - Parte I (Breaking Dawn - Part I, EUA, 2011) poderia perfeitamente se chamar Aborrecer - Parte I, a julgar pela chatice que ocupa 90% da fita e promete mais uma dose cavalar de abobrinhas para a pretensiosa segunda parte que estreará somente em 2012.

Para um fechamento de franquia, a produção deixou muito a desejar: faltou emoção no tão esperado casamento entre Bella (a coelha Kristen Stewart) e o vampiro Edward (Robert Pattinson), a tão badalada passagem do casal em lua-de-mel pelo Rio de Janeiro foi um mero arremedo e se resumiu ao confinamento em uma ilha que poderia ser em qualquer lugar do planeta e, por fim, além de prometer uma guerra mal formada entre lobos e vampiros, na hora "H" tudo esmoreceu e durou pouco mais de dois minutos, resolvendo-se da maneira mais imbecil possível. O desenlace do triângulo amoroso entre a mortal, o vampiro e o lobisomem Jacob (Taylor Lautner, que, apesar de meio canastra, sempre se sobressai nas interpretações dos filmes da franquia), que seria outra promessa da história, foi também pífio e mal aconteceu.

A única salvação desta primeira parte é a chegada do bebê de Bella e Edward. Não era nenhum segredo que isso aconteceria, pois o próprio trailer denunciava a gravidez, que, por sinal, acabou por se tornar um show de horrores, com direito a copos de refresco com sangue para Bella beber e cenas bizarras de parto. No mais, é o mesmo feijão com arroz que se viu nos três filmes anteriores: um discurso pudico e assexuado, vampiros bundões maquiados com pomada Minâncora, donzelas insossas, meninos-lobos rebeldes sem causa e diálogos toscos que se levam a sério. Não era de se esperar nada melhor de uma autora como Stephenie Meyer, seguidora de doutrinas religiosas que pregam virgindade e outras virtudes politicamente corretas, que pensa ser possível alterar toda uma mitologia macabra e sexual como a vampiresca sem soar, no mínimo, incoerente. O triste é saber que muita gente morde essa isca... Assim, em certos momentos não se pode culpar só o filme: a narrativa extraída do livro prefere solucionar tudo do modo mais fácil e bonitinho, sem maiores dramas ou qualquer vislumbre de inteligência.

O que se tem como produto final é um filme ruim, tampouco bom tecnicamente ou dramaturgicamente falando, mas que vai forrar o bolso de muita gente envolvida e vai continuar perpetuando uma cultura comercial mastigada e de fácil (porém amarga) digestão. Apesar das críticas negativas à franquia, as multidões peregrinam cada vez mais aos cinemas em cada lançamento - a maioria cinéfilos de ocasião - e ainda saem satisfeitas querendo mais. Não dá para negar que o filme contém todos os elementos pop chamativos para as grandes plateias da atualidade e usa isso ao seu favor: personagens jovens e bonitos, romance, lutas, tensão e piadinhas que, embora cretinas e muitas vezes constrangedoras e descabidas, ainda causam muitas gargalhadas nos espectadores.

Depois de ter assistido esta primeira parte, me pergunto se será realmente necessária a quebra em dois filmes, visto que quase todos os fatos importantes da trama foram resolvidos agora, restando aparentemente, somente o confronto final com o Clã Volturi - ao meu ver, um gancho fraco ao qual nenhum dos filmes anteriores deu muita importância. Mas isso é outra história para daqui a mais ou menos um ano!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

CINEMA: OS 3

Em tempos de Internet, redes sociais, consumo em massa e reality shows, o filme do diretor Nando Olival vem a calhar, não como discurso negativo sobre qualquer uma dessas realidades, mas como instrumento de entretenimento e reflexão sobre onde termina o que é real e começa o que não é. Os 3 (Brasil, 2011) é uma grande brincadeira com verdades e mentiras, bem arquitetada, de modo a não deixar o espectador, aqui fazendo o papel de voyeur, indiferente.

Cazé (Gabriel Godoy), Rafael (Victor Mendes) e Camila (Juliana Schalch) são jovens estudantes de comunicação recém-chegados do interior que se conhecem por mero acaso em uma festa e decidem morar juntos. Daí surge uma superlativa amizade entre o trio, sob o pacto de nunca se envolverem emocionalmente ou sexualmente. É evidente e nenhuma surpresa que o pacto não funciona e servirá de pivô para todas as derrocadas na história dos três amigos. Até aí teríamos mais um genérico de Três Formas De Amar (Threesome, 1994) ou Os Sonhadores (The Dreamers, 2003), mas a fita possui um trunfo em sua trama que a torna mais interessante.

Um projeto criado pelo trio para a faculdade propõe a instalação de câmeras em um apartamento, como em um Big Brother, onde produtos são expostos como de uso da casa e os clientes que assistem ao programa podem comprar online esses produtos ali exibidos. A ideia é abraçada por uma empresa que propõe que eles mesmos sejam os protagonistas deste reality shopping, o que se revela um verdadeiro fracasso em um primeiro momento. Somente quando, por acaso, começam a ocorrer brigas e cenas quentes entre os três, o negócio vira um sucesso e as fronteiras entre realidade e fingimento começam a se fundir, levando todos a conflitos que colocarão seu relacionamento à prova. Amizade - Amor - Paixão - Tesão: com estas 4 palavras-chaves a trama se apresenta e, (por que não?), se resume.

Os 3 é o tipo de filme pelo qual não se dá grandes coisas à primeira vista, mas acaba surpreendendo. Dono de uma trama interessante e com conteúdo - às vezes até divertida - , boas interpretações com pitadas de improviso e leite tirado de pedra com um orçamento curto e cenários limitadíssimos, o filme cumpre com competência sua missão enquanto distração, mensagem e sabe terminar na hora certa, de forma também satisfatória. É provável que passe batido pelos cinemas, embora seja digno de mais atenção.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

CINEMA: O PREÇO DO AMANHÃ

"Tempo é dinheiro" é um argumento forte no futuro aqui retratado: a humanidade mutou geneticamente, de modo que o indivíduo pára de envelhecer aos 25 anos e, deste ponto em diante, recebe um único ano a mais de tempo de vida, que pode ser ampliado de acordo com suas aquisições, trabalhos ou, em casos extremos, roubado de outros. O tempo é a moeda de troca para tudo, onde os pobres sucumbem e os ricos sobressaem-se às suas custas (uma espécie de alfinetada ao capitalismo do mundo atual).
Neste cenário é contada a história de Will Salas (Justin Timberlake, firme na carreira de ator e o mais recente queridinho de Hollywood), um operário que vê a mãe (Olivia Wilde) cair morta em seus braços pelo esgotamento de seu tempo. Após conhecer um homem cansado de viver por tanto tempo que lhe conta certas verdades sobre o mundo onde vivem, Will resolve ir à forra contra os poderosos e no caminho cruza com Sylvia (Amanda Seyfried), a filha de um banqueiro do tempo, a quem acaba sequestrando e posteriormente tomando por amante e cúmplice em sua jornada de Robin Hood do relógio.
Assim, O Preço Do Amanhã (In Time, EUA, 2011) é um filme de argumento interessante, mas mal desenvolvido. Seguindo a introdução da ideia central, tem-se o o enlace entre os personagens que desencadeia na sequência linear de eventos a ser percorrida até o final da narrativa e nada mais. O roteiro não reserva surpresas ou reviravoltas na trama, nem mesmo se pode identificar com certeza um clímax - a partir de um certo ponto, tudo se resume a um corre-corre incessante, movido a tiroteios em uma espécie de jogo de gato e rato entre a dupla de protagonistas e os agentes do tempo, estes liderados pelo personagem interpretado por Cillian Murphy (Batman Begins e A Origem). Em algumas partes o filme assume semelhanças gritantes com outro título recente, Os Agentes Do Destino (The Adjustment Bureau, EUA, 2011) - melhorzinho, diga-se de passagem.
O diretor e também roteirista Andrew Niccol (O Senhor Das Armas, S1m0ne e Gattaca) ateve-se em contar somente a história, sendo econômico nas alegorias de produção. Mesmo tratando-se de uma trama ambientada no futuro, não houve abuso de invencionices tecnológicas, como robôs, máquinas voadoras ou supercomputadores, o que talvez tenha salvo o filme de um desastre total. Os efeitos especiais não são exagerados e, não fosse a fita de ficção científica em sua essência, seria até bem convincente. O filme se assume como diversão pura e não tenta se levar a sério com metáforas aprofundadas sobre imortalidade, tempo e existência, o que também lhe garante certo crédito e o torna merecedor de uma audiência descompromissada.

domingo, 6 de novembro de 2011

CINEMA: O REI LEÃO

Quando o assisti na telona pela primeira vez, em 1994, tinha exatamente a metade da idade que tenho hoje. Este era um ano onde Pixar não era sequer conhecida e o primeiro e revolucionário Toy Story se encontrava há dois anos de seu lançamento nos cinemas. Era até meio incomum adultos e adolescentes irem ao cinema para assistir desenhos (até porque o conceito de animação nem existia) - salvo acompanhados de uma criança.
Nostalgias e comparações à parte, o que venho afirmar é a magnitude que O Rei Leão (The Lion King) representa para o cinema até os dias de hoje. Produção da Walt Disney, a história do leãozinho Simba é um marco na história, seja por sua técnica impecável, por suas valiosas lições ou pela trilha sonora que ficou famosa principalmente pelas canções assinadas por Elton John. O sucesso do conjunto da obra foi tão grande que a Disney, já sob outro comando, cometeu o sacrilégio de realizar duas sequências (uma de 1998 e outra de 2004), coisa que seu fundador jamais permitiria.
Poucas vezes se viu em um desenho tamanha perfeição de traços e movimentos, mesmo dentro da própria Disney, que sempre imperou nesta área.
Talvez o grande trunfo de O Rei Leão tenha sido sua história, sobretudo no que toca na morte do pai de Simba e de como foi apresentada - o mais próximo disso que havia se visto nos grandes clássicos infantis foi em Bambi, de 1942, mas de forma muito mais sutil e sugerida. O roteiro aqui soube tratar a perda de forma emocionante, para tocar crianças e adultos. À parte disso, os incríveis personagens que habitam a trama colaboraram em riqueza e diversão: desde a doce leoazinha Nala, até o pássaro Zazu e o mandril Rafiki, passando, é claro, pela dupla inesquecível Timão e Pumba, que protagonizou sozinha a dispensável sequência de 2004. Um time de peso foi recrutado para dar voz a estes animais falantes: Matthew Broderick (Simba adulto), Jeremy Irons (Scar), James Earl Jones (Mufasa), Nathan Lane (Timão), o Mr. Bean Rowan Atkinson (Zazu) e a hoje apagada Whoopi Goldberg (hiena Shenzi), que à época era uma das maiores estrelas da indústria.
A grandeza de O Rei Leão perdura até os dias atuais, tanto que foi a primeira escolha dentre os clássicos Disney para ser transportado para o formato 3D e reestrear nos cinemas, mantendo-se campeão de bilheterias por 3 semanas consecutivas nos EUA neste ano. Com seu recente lançamento em DVD, Blu-Ray e Blu-Ray 3D ao redor do mundo, bem como suas continuações, perpetua-se mais uma vez o título deste já clássico infantil e universal - e, claro, enche-se mais um pouquinho os já abastados cofres da Disney.

sábado, 5 de novembro de 2011

CINEMA: A PELE QUE HABITO

Em meio a comentários de que havia produzido seu primeiro terror e dirigido seu filme mais sombrio até então, o renomado diretor espanhol Pedro Almodóvar surpreende com sua nova obra, A Pele Que Habito (La Piel Que Habito, Espanha, 2011) - na verdade um drama com pitadas de thriller, violência e, por que não dizer, terror, regado a muito sexo e a loucuras almodovarianas, marcas da quais o cineasta andava mais econômico em suas produções recentes.
Para encarnar o protagonista - por assim dizer - Robert Ledgard, foi escalado Antonio Banderas, representando aqui um médico/cientista que mais parece uma cruza de Dr. Frankenstein com a Noiva de Kill Bill, respeitando suas devidas proporções, é claro. Banderas está contido e, depois de mais de 20 anos após sua última parceria com Almodóvar, bem menos canastra do que o usual. Ao lado dele, brilham Marisa Paredes (parceira de longa data do diretor, que participou de Fale Com Ela, De Salto Alto e Maus Hábitos, entre outros títulos), como a governanta Marília, e a bela Elena Anaya como Vera, o grande pivô de toda a trama.
Para não entregar nenhum dos vários segredos que o roteiro reserva, pode-se resumí-lo da seguinte forma: Robert é um cirurgião plástico que vive isolado em uma mansão com sua governanta e lá mantém uma mulher cativa que lhe serve de espécie de cobaia, na qual experimenta o desenvolvimento de uma pele perfeita para o ser humano, entre outros feitos.
Com este poético e inspirado título, A Pele Que Habito é um dos trabalhos mais interessantes do diretor, adentrando em um universo científico, bizarro e, em determinados momentos, até grotesco. Com idas e vindas entre passado e presente, a certa altura da fita há a impressão de que a história fechou um ciclo e sua continuidade saiu dos eixos, mas pouco a pouco tudo começa a se revelar magnificamente orquestrado e as partes vão se encaixando, entregando em detalhes todas as respostas, mesmo algumas que nem se desconfiava existirem. A única ressalva que fica é de que trata-se de um trabalho para apreciadores e simpatizantes da obra de Almodóvar: a trilha exagerada, a película que, como canta Adriana Calcanhotto, segue o padrão "cores de Almodóvar" e toda a atmosfera brega do cinema espanhol - em um bom sentido -, somados a uma trama que, embora diferente, é totalmente inverossímil, podem levar gente a sair do cinema descontente com o que viu - mas isso é exatamente o melhor do cinema, mexer com as pessoas. E aqui a missão é cumprida com a competência de um mestre!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CINEMA: ENTRE SEGREDOS E MENTIRAS


O diretor Andrew Jarecki ganhou prestígio quando dirigiu em 2003 o bom documentário Na Captura Dos Friedman e agora estreia no campo da ficção, dirigindo com mão pesada o mediano Entre Segredos E Mentiras (All Good Things, 2010). A história, baseada em fatos reais e calcada na trajetória de David Marks (interpretado com competência pelo ascendente Ryan Gosling) entre os anos de 1971 e 2003, procura elucidar os mistérios que envolvem o desaparecimento (e possível assassinato) de sua esposa Katie (Kirsten Dunst) em 1982, do qual foi acusado e absolvido.
O percurso mostra o envolvimento amoroso de Mark e Katie, a pressão do poderoso pai (Frank Langella) para que Mark assuma os negócios escusos da família, e, em clima de reviravolta, o desabrochar de uma identidade perturbadora no personagem, culminando em desvio de comportamento, lembranças do passado, violência doméstica e no suposto crime não desvendado até hoje. O roteiro de Marcus Hinchey e Marc Smerling se dá a liberdade de desvendar o crime, sugerindo método, datas, locais e envolvidos, o que tira fôlego da fita, subtraindo o suspense da trama e enfraquecendo a construção do personagem de Mark - até então interessantíssimo - promovendo-o a um reles psicopata, através de uma sucessão de outros assassinatos que realmente ocorreram.
Falta também identidade ao filme: romance, drama e thriller de assassinato andam juntos, mas não conversam... É como se fossem vários filmes em um mesmo, que se sucedem, mas não se completam. A duração se arrasta um pouco além da conta e o timing também prejudica a evolução.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

CINEMA: OS TRÊS MOSQUETEIROS

Vendido como uma releitura cinematográfica "moderna" do clássico literário de Alexandre Dumas (1802-1870), esta nova versão de Os Três Mosqueteiros (The Three Musketeers , de Paul W.S. Anderson, 2011) nada mais é do que um enlatado sem-vergonha com pretensões de franquia, cheio de invencionices tecnológicas, canastrices de elenco e reviravoltas na trama de tontear até barata - ainda carrega consigo a marca do 3D, outro embustre tecnológico que virou status diferencial para muito filme sem muito mais o que oferecer.
Logan Lerman, quem também vive no cinema o personagem Percy Jackson, aqui é o protagonista D'Artagnan e... Nossa! Não tinha notado ainda como ele é ruim: fora a péssima atuação, de carona ganhou um aplique "caminho de rato" nos cabelos que mais parece comprado na 25 de março. Em sua companhia, os 3 mosqueteiros do título são vividos pelos atores Matthew Macfadyen (Athos), Ray Stevenson (Porthos) e Luke Evans (Aramis) e não sãos mais que meros apetrechos caricatos. A primeira dama Milla Jovovich encarna a espiã Milady de Winter e, embora esteja confortável no papel e de certa forma seja interessante sua versão "Resident Evil" para a personagem, esmorece com a trama pífia repleta de traições e trocas de lados - a única e mais fácil saída encontrada pelos roteiristas.
Junte a isso o meia-boca Orlando Bloom, um Christoph Waltz afetadíssimo (aliás, o que mais esse cara fez de prestável, além de Bastardos Inglórios?) e uma dupla rei afeminado / rainha palerma (Freddie Fox e Juno Temple) e tem-se um desastre total, numa história que reúne os mosqueteiros e D'Artagnan no resgate de uma jóia que pode desencadear a guerra entre a França e a Inglaterra - e nessa gincana dá-lhe navios voadores (quê?), explosões e tiros sem fim no lugar dos duelos de espadas, Leonardo DaVinci e outros absurdos fora de contexto, para no fim ficar um maldito gancho que pode transformar esse despautério no primeiro capítulo de uma triologia.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CINEMA: CONTÁGIO

"Nada se espalha como o medo" - o slogan de promoção do novo filme de Steven Soderbergh (diretor da triologia Onze / Doze / Treze Homens E Um Segredo e Erin Brockovich) é o que melhor o resume. Diante de um novo vírus que ataca o organismo humano como um resfriado e em poucos dias afeta o sistema cerebral, levando o indivíduo à morte, o cineasta apresenta uma história honesta de como a humanidade não está preparada para situações limite e do importante papel que o pânico exerce nesses momentos.
A tensão que se estabelece na fita, sobretudo nos momentos iniciais, quando se passa a perceber como o vírus se espalha, não necessita de apelos, pois é sutil e progressiva. Um universo de eventos desencadeados com a doença dita o andamento da história, envolvendo cientistas, burocratas, pessoas infectadas, amedrontadas, aproveitadores e teóricos da conspiração.
O que de melhor Contágio (Contagion, 2011) tem são seus personagens: embora seja um vai-e-vem de cenários e personagens distintos, tudo está muito bem costurado e o elenco estrelar colabora em grande parte com o êxito da trama. O sexteto formado por Matt Damon, Gwyneth Paltrow, Kate Winslet, Laurence Fishburne, Jude Law e Marion Cotillard é, por si só, um atrativo a seu favor. O único tropeço de Soderbergh aqui é o ritmo: o filme é demasiado burocrático e seus 100 minutos de duração tornam-se intermináveis em certo ponto. Verdade que, a exemplo do material promocional, o tom amarelado da película também causa um certo desconforto, mas nem por isso Contágio deixa de ter mensagem e inteligência - artigos raros no mercado hollywoodiano dos dias de hoje.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

CINEMA: O PALHAÇO

Em seu segundo longa-metragem como diretor, Selton Mello se redime da estranheza de sua estreia com Feliz Natal (Brasil, 2008) e brinda o público com o genial O Palhaço (Brasil, 2011).
Selton vive o palhaço Pangaré, filho do dono do circo, o também palhaço Puro-Sangue (Paulo José, em uma atuação majestosa). Por trás da maquiagem do divertido Pangaré, há Benjamim, um homem quieto que carrega nos ombros uma tristeza ímpar e uma inquietude sobre seu verdadeiro lugar no mundo. Esta jornada de descoberta pelo interior do Brasil conduz o roteiro escrito pelo próprio diretor em parceria com Marcelo Vindicato.
Embora não seja explicitada na fita, a trama se ambienta no início da década de 80, proporcionando um clima nostálgico e cheio de memorabília para os que viveram aqueles tempos. O circo mambembe com o qual os personagens viajam é tão pobre quantos as cidades que visita, o que enriquece ainda mais a história - a simplicidade do povo, a piada ingênua, os personagens pitorescos, a alegria na tristeza e a tristeza na alegria compõem um mundo circense de magia, palmas e risos pagos com suor, sangue e lágrimas, em uma inspiração que se dá ao direito de beber na fonte de mestres do cinema, como Charlie Chaplin e Federico Fellini. Triste e divertido ao mesmo tempo, é um dos melhores lançamentos recentes do nosso cinema.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CINEMA: MEDIANERAS - BUENOS AIRES NA ERA DO AMOR DIGITAL

Solidão e desconforto nas grandes cidades são efeitos. Construções, tecnologia e Internet são causas. Assim se forma o cenário para Medianeras - Buenos Aires Na Era Do Amor Digital (Medianeras, Argentina, 2011), um romance/drama ambientado na capital portenha, fato que se torna conhecido com o subtítulo bobo, comercial e desnecessário que também aparece na tradução para o inglês.
Javier Drolas é Martín, um webdesigner que sofre de síndrome do pânico, por isso vive enclausurado em seu apartamento minúsculo, sua comunicação com o mundo real é praticamente pela Internet e suas únicas visitas são praticamente os motoqueiros de telentrega. Pilar López de Ayala é Mariana, uma arquiteta frustrada que ganha a vida como vitrinista e vem de um casamento fracassado que lhe custou 4 anos e a deixou sem chão. Os dois são vizinhos e moradores da famosa Avenida Santa Fé, possuem destinos que apontam em uma mesma direção, mas ainda assim nunca se cruzaram.
Através de narrações em off dos próprios personagens e com passagens de tempo marcadas por estações do ano, a história dos dois jovens é contada em paralelo, com bom humor, ironia e uma pitada de reflexão que remete às nossas próprias realidades quando o assunto é o afastamento cada vez maior que temos do convívio das pessoas por conta do ritmo frenético e das mudanças de comportamento do mundo moderno. A frase de Martín "A Internet me aproximou do mundo, mas me afastou da vida" representa bem algumas das mensagens deixadas pelo filme, que foi escrito e dirigido por Gustavo Taretto, estreante em longas metragens.
Há muitas referências, sugestões e mensagens subliminares que contribuem para o enriquecimento da narrativa - logo no início da fita, o suícidio de um cachorro e a imagem de um menino andando para a frente e para trás de triciclo em uma sacada minúscula deixam pistas de onde a história quer chegar. A referência ao livro Onde Está Wally? é outra grande e importante sacada. O diretor soube aproveitar bem a capital argentina para mostrar tanto o belo quanto o feio que ela pode oferecer, sem exaltações ou critícas específicas - Buenos Aires representa todas as grandes metrópoles do planeta, que sofrem dos mesmos problemas em diferentes proporções, sem ser diretamente o alvo das críticas proferidas.
Medianeras é um bom filme, com o mérito de ter uma história interessante para contar, de saber contá-la com o bom uso de símbolos e representações que são facilmente captadas pelo espectador e de ainda usar essa história mais como meio do que como fim para expor um ponto de vista, deixando ainda uma pulguinha de dúvida atrás da orelha sobre para onde estamos levando nosso planeta e como está nosso estilo de vida. Ah, o que são as medianeras do título? É melhor assistir para obter a explicação, pois contar aqui seria estragar parte do desfecho do filme, embora ele seja bem previsível.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CINEMA: O FILME DOS ESPÍRITOS

O Filme Dos Espíritos (Brasil, 2011), dirigido pela dupla André Marouço e Michel Dubret, é mais um título que pega carona na onda espírita, iniciada em 2008 com a produção Bezerra De Menezes: O Diário De Um Espírito, cuja temática visa atrair adeptos da doutrina, simpatizantes, curiosos e os próprios fãs de cinema em geral. Como o próprio título sugere, o filme tem como inspiração O Livro Dos Espíritos, publicado por Allan Kardec em 1857, inspiração que, além de se valer de alguns trechos do escrito, emprega "lições" ensinadas pela doutrina e utiliza o próprio objeto livro como personagem para a história que é contada.
No centro da narrativa encontra-se Bruno Alves (Reinaldo Rodrigues), um homem atormentado por uma vida de dificuldades e alcoolismo, à beira do suicídio que, em um dado momento entra em contato com o livro de Kardec e passa a ter descobertas que mudarão o rumo de sua vida. Há algumas outras histórias paralelas que são contadas, na intenção de depois juntar tudo através do cruzamento dos personagens em alguns cenários e situações, mas de modo geral têm muito pouca importância se comparadas à atenção dada para a história do protagonista - é o caso da história do Dr. Levi e sua esposa Gabi (Nelson Xavier e Ana Rosa, respectivamente - dois atores que nos últimos tempos se tornaram figurinhas fáceis em filmes desta temática), que poderia ser melhor explorada, mas finda mais por servir de acessório do que de segmento de trama.
A narrativa não se assume doutrinária, porém soa como tal em diversos momentos: o simples fato do personagem Bruno andar com o livro por toda a parte já dá pistas da pretensão, assim como citações soltas de trechos da obra utilizadas para ilustrar certas cenas. As imagens em flashback apresentadas tornam as revelações da trama óbvias e não surpreendem nem mesmo o espectador mais distraído. Como função social, cumpre papel ao divulgar o importante trabalho das Casas André Luiz, clínicas de assistência a portadores de doenças mentais, local onde trabalha o Dr. Levi e que passa a ser visitado frequentemente por Bruno.
O filme tem suas pontas soltas e leva o fim da história um pouco além do necessário: a velha mania de explicar tudo tim-tim por tim-tim. A produção tem seus defeitos, mas consegue um conceito regular, com alguns méritos. A temática é pesada de um modo geral, tratando quase que por unanimidade com a morte, a doença, a perda e a solidão, mas a direção sabe em alguns momentos brilhantes ser sutil, abrandando o peso de forma sugerida, sem ser explícita demais. Um atrativo no mínimo curioso para uma conferida é a participação de Luciana Gimenez (hein? sim, ela mesma!) no papel de uma velha, quase irreconhecível - se ela fez bonito ou não, tirem suas próprias conclusões.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

CINEMA: MEU PAÍS

Dizem que o lar de um homem é onde está o seu coração - posso até ter entendido tudo errado, mas esta frase foi a mensagem que ficou para mim após assistir Meu País (Brasil, 2011), e também a justificativa para o título, embora este possa ter relação com o retorno à pátria do personagem principal Marcos, vivido por Rodrigo Santoro.
Engana-se quem pensa que trata-se de um filme patriótico ou de exaltação ao Brasil: fora algumas poucas passagens com cortes rápidos de São Paulo, não há espaço para Carnaval, futebol ou bunda de fora, nem mesmo para críticas à nação numa vibe Odete Roitman - o país de Marcos, ao qual ele de fato retorna, é sua família! Seu regresso da Itália ao lado da mulher Giulia (a bela atriz italiana Anita Caprioli) é motivado pela morte de seu pai Armando (em uma participação breve, mas importante de Paulo José), onde reencontra o irmão Tiago (um contido Cauã Reymond) - playboy irresponsável que está mergulhado em dívidas de jogo - e tem a descoberta de uma meia-irmã (vivida por Débora Falabella) internada em uma clínica para doentes mentais.
O fio condutor da trama é esta relação entre irmãos que passa a se estabelecer. Marcos, o mais velho, bem-sucedido e responsável vê-se frente a um irmão que não quer amadurecer e a uma irmã que, devido aos problemas mentais, jamais o irá. É preciso ainda lidar com toda uma vida construída que está sendo deixada para trás e sustentar o relacionamento com sua esposa.
O diretor Andre Ristum, estreante na direção de longas, tem em mãos uma produção que pode ser considerada, no mínimo, de bom resultado. Com eficiência, o filme mergulha o espectador em uma tristeza silenciosa - não a do tipo que chega com uma notícia e acerta um soco seco no estômago, mas sim aquela que vai consumindo aos poucos, em cada detalhe, como uma doença degenerativa. O tom nostálgico da narrativa, amarrando passado e presente através de pequenos objetos e retratos e a palheta desmaiada e escurecida da fotografia ampliam a experiência de melancolia, que jamais é alcançada com a facilidade do dramalhão clichê ou qualquer outra obviedade.

CINEMA: O HOMEM AO LADO

Segundo a Wikipédia, Le Corbusier foi um arquiteto, urbanista e pintor francês de origem suíça, considerado um dos maiores do século XX em sua área. Leonardo (Rafael Spregelburd) vive com sua família na cidade de La Plata, Argentina, na única casa desenhada em toda a América pelo citado Le Corbusier, considerada uma obra-prima da arquitetura moderna. Em um dia qualquer, o homem dá-se conta que um vizinho, Victor (Daniel Aráoz), resolve abrir uma nova janela, invadindo o campo de visão da família de Leonardo e, claro, denegrindo a concepção da casa onde vive.
A construção desta nova janela é apenas a desculpa para o desenrolar do drama O Homem Ao Lado (El Hombre De Al Lado, Argentina, 2009), que busca uma reflexão do que pode acontecer quando dois mundos totalmente estranhos e diferentes passam a se ter conhecimento ou vêm a colidir. Com esta descoberta, vem a revelação da essência do ser humano em situações que, mesmo banais, podem acabar se tornando limítrofes. De um lado Leonardo é um designer de móveis bem-sucesido, porém covarde, egoísta e cujo casamento e também o relacionamento com a filha adolescente beiram o fracasso. De outro, Victor é um homem intimidante, truculento e ao mesmo tempo doce, que deixa dúvidas em muitos momentos sobre quais suas reais intenções.
Os altos e baixos das relações de empatia e rejeição que se formam entre estes personagens são narrados, assim como a janela de Victor, em forma de construção e desconstrução. Laços que se atam e se desatam, atitudes inusitadas e demonstrações do que cada um é capaz na busca por seus objetivos compõem a história deste filme dirigido pela dupla Mariano Cohn e Gastón Duprat. O resultado é um filme mediano, belo na composição de seus protagonistas, mas de dinâmica arrastada e em alguns momentos um pouco entediante, com um desdobre dificultoso e demorado a chegar.

CINEMA: UM CONTO CHINÊS

Falar mal de argentino é quase tão típico de brasileiro quanto fazer piadas de português. Seja lá qual for o motivo, excetuando-se a rivalidade no futebol - a qual pouco me lixo - vejo que temos muito mais motivos para prestigiar os "hermanos" do que para avacalhá-los. Um deles é o seu cinema, cada vez mais interessante. Não que não tenhamos aqui no Brasil produções de qualidade excepcional e grandes sucessos de bilheteria, mas nos últimos anos muito tem-se falado (e geralmente bem) de produções advindas do país aqui do lado. Na onda de bons filmes portenhos vem Um Conto Chinês (Un Cuento Chino, 2011), que já está há algumas semanas em cartaz e tem sido sucesso de público e de crítica na base do boca-a-boca.
Fato que parte deste sucesso se deve à presença no elenco de Ricardo Darín (de O Segredo Dos Seus Olhos e O Filho Da Noiva, entre outros), possivelmente o ator mais importante do país na atualidade. Darín vive o protagonista Roberto, um solitário, solteirão e muito mal-humorado dono de ferragem de bairro que um dia socorre o recém-chegado chinês Jun (Ignacio Huang) de um ataque de ladrões. Sem nenhuma ideia de o que fazer, Roberto abriga o imigrante em sua casa, estabelecendo ali o fio condutor deste belo conto.
O mau humor do protagonista, as atrapalhadas do chinês e as situações difíceis de comunicação entre os dois são responsáveis por algumas das risadas da plateia, mas o filme vai muito além da comédia: as relações humanas, o surgimento da amizade, a dificuldade de adaptação ao novo e a instabilidade emocional do indivíduo são temas sutilmente pincelados que injetam vida à trama e fazem dela uma excelente lição de convívio, sem vocação alguma para o dramalhão. Tecnicamente o filme é simples, mas muito competente - nota-se que o esmero da produção está focado no desenrolar da história e de seus personagens pitorescos, que incluem ainda a prestativa pretendente de Roberto, Mari (Muriel Santa Ana). Dirigido por Sebastián Borensztein, egresso da TV, este conto chinês diverte, emociona e envolve, trata de forma carinhosa do choque cultural entre ocidente e oriente sem jamais cair no mau gosto ou no campo dos estereótipos para arrancar risadas fáceis do público, brinca com o surreal sem exagerar na dose (incluindo uma vaca que cai do céu), embora traga um pouco de instabilidade à narrativa, mas sem comprometer o resultado e é disparado uma das melhores opções em cartaz do momento.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CINEMA: CONTRA O TEMPO

Quando me perguntaram do que se tratava o filme Contra O Tempo (Source Code, 2011, que entra no Brasil com grande atraso em relação ao resto do planeta - nos EUA e na Europa já foi lançado em Blu-Ray), disse que a trama consistia em um trem que explode e um homem tem a chance de voltar quantas vezes for preciso para aquele momento, até descobrir o autor do atentado, tendo sempre 8 minutos para tal tarefa. Disse ainda que mais do que isso não revelaria, sob pena de estragar o mote deste filme, no mínimo interessante, dirigido por Duncan Jones, diretor novato, cujo filme mais conhecido que dirigiu até então tinha sido Lunar, de 2009.
No início o filme parece meio confuso, mas aos poucos tudo vai se esclarecendo sem grandes tratados teóricos ou necessidades de explanação. É um samba do crioulo doido que mistura ação, suspense, ficção e uma pitadinha de drama, mas que funciona bem quando bem definidas as doses. Jake Gyllenhaal encarna o personagem principal, Colter Stevens, que não lhe exige grande interpretação, mas lhe serve perfeitamente. Michelle Monaghan é Christina e Vera Farmiga é Goodwin, personagens secundários, mas de grande importância às necessidades da história.
Com um tiro curto de 93 minutos, Contra O Tempo cumpre bem o seu papel de entertenimento e até deixa brechas para questões e ideias sobre o desenrolar da trama. A ideia reciclada foi bem aproveitada e tornou-se um título bem interessante, muito acima da média dos lançamentos americanos que tem se visto ultimamente nos cinemas.

CINEMA: SEM SAÍDA

Atualmente Hollywood parece ter poucas alternativas para produzir seus filmes: ou se faz um reboot/continuação/remake de uma fórmula garantida, ou se cria uma megaprodução em cima de uma bomba com potencial para se tornar blockbuster ou se arrisca em algo criativo que tanto pode ser um sucesso como tornar-se um fracasso comercial (opção que tem sido a bem menos utilizada dentre as três). Sem Saída (Abduction, 2011), do diretor John Singleton, é um híbrido das duas primeiras alternativas.
Em cima de uma trama mais que manjada e sem surpresas, a saída foi escalar um elenco conhecido de coadjuvantes (que aí inclui Alfred Molina, Sigourney Weaver e Maria Bello) e encabeçá-lo com um ator sensação do momento - no caso, o lobisomem da saga Crepúsculo Taylor Lautner - mesmo que o maior talento do mesmo seja sua musculatura, que insistentemente os filmes dos quais ele participa fazem questão de mostrar sem pudores. Trata-se de uma ideia pouco original, mas um tiro quase certeiro: se ninguém gostar do filme, pelo menos o lucro dos ingressos das menininhas adolescentes está garantido!
Não é necessário repetir mais que o filme é bem meia-boca. Por incrível que pareça, seu maior defeito não é a falta de inovação ou o roteiro óbvio, e sim o ritmo da trama: com um início até interessante, mesmo que todo revelado nos trailers, há um certo fator interessante até o momento em que Nathan, o personagem de Lautner, descobre através de um site de crianças desaparecidas que seus pais não são quem dizem ser. Segue-se algumas cenas de ação e então a trama quase morre com Nathan e sua namoradinha sem sal Karen (Lily Collins) fugindo de bandidos soviéticos (sempre eles) e de agentes da CIA mal intencionados liderados por um Alfred Molina totalmente sem inspiração.
Daí para a frente é só ladeira abaixo, salvas algumas cenas de ação bem elaboradas e protagonizadas pelo garoto Lautner (verdade que a juventude permite ao astro certas acrobacias dignas de inveja aos Tom Cruises e Denzel Washingtons dos dias de hoje). Com um final irritantemente previsível, o grande mistério é resolvido de maneira fácil e sem graça. Uma ameaça de gancho para uma possível e desnecessária continuação é deixada e nada além deste par de comentários sobra como saldo.

domingo, 9 de outubro de 2011

CINEMA: CAPITÃES DA AREIA

Dirigido por Cecília Amado, neta de Jorge Amado, não por acaso o autor da obra, o filme Capitães Da Areia antecipa o início das comemorações do centenário de nascimento do escritor baiano morto em 2001, a ser celebrado oficialmente durante o ano que vem.
A história, que trata da vida de uma gangue de pivetes atuantes na tumultuada capital Salvador na metade do século passado, como livro funciona muito bem, sendo a obra mais vendida do autor até hoje. Ao ser passada para a tela, perde a força, devido a pulos longos na narrativa, que terminam por confundir o espectador - em alguns momentos deixando-o sem saber onde está situada a trama. Mas nem só de defeitos vive a fita de estreia de Cecília Amado: com um elenco formado por anônimos, muitos deles estreantes, o acerto na caracterização dos personagens e na ambientação, figurino e cenografia são dignos de elogios, sem contar a fotografia impecável!
Liderada por Pedro Bala (Jean Luis Amorim), a gangue dos Capitães da Areia é um grupo de meninos órfãos, rejeitados pelas famílias e fugitivos de abusos domésticos, que conta também com os companheiros Gato (Paulo Abade), Professor (Robério Lima), Sem Pernas (Israel Gouvea) e, posteriormente, a menina Dóra (Ana Graciela). A dura luta pela sobrevivência, a incursão no mundo do crime através de pequenos furtos e contravenções, a perda da inocência e a descoberta do sexo e do amor usam como pano de fundo as riquezas culturais e naturais da Bahia, como o Candomblé, a capoeira, a fé, as festas, o mar e as belas paisagens agrestes para narrar uma pequena parte da triste saga deste grupo de crianças - ou nem tanto. Aliadas à bela trilha sonora produzida por Carlinhos Brown, certas cenas isoladas, aliadas às transcrições originais do livro, tornam-se verdadeiras obras de arte.
Pode-se dizer que Capitães Da Areia é mais competente técnica e esteticamente do que dramaturgicamente - o velho problema do roteiro, aqui assinado pela própria diretora em parceria com Hilton Lacerda. Pela duração tolerável de 96 minutos, pela beleza das imagens (mesmo que muitas delas estejam ali mais como alegoria do que como incremento significativo na trama), pela ótima atuação dos atores - sobretudo os mirins - e por algumas boas passagens, principalmente as dramáticas, o filme não é de todo mau e merece uma espiada, principalmente por quem prestigia o cinema feito no Brasil.